Retenção: O Elefante na Sala

Retenção: O Elefante na Sala

Ao longo de sua história, o setor de fitness desenvolveu grande competência em mudar o corpo das pessoas. Porém, ainda há uma enorme lacuna entre essa competência e o que precisa ser feito para mudar o comportamento sobre fazer exercícios. Por conta disso, o setor convive com altas taxas de cancelamento e perda de clientes.

Isso está tão arraigado que a maioria dos gestores passou a encarar o alto número de cancelamentos como algo normal e inerente ao segmento. A expressão mais nefasta desse fenômeno é o “efeito plateau” que as academias experimentam após 18-24 meses de sua abertura. O número de pagantes simplesmente para de crescer, mesmo atingindo, sucessivamente, as metas de vendas! É a famosa analogia do “balde furado”: o cliente novo que entra “cobre” o cliente antigo que sai. Ao final, o nível do balde permanece o mesmo — isto é, a base de clientes não se altera.

O discurso da importância da manutenção do cliente pelas empresas é amplamente difundido. A máxima “é mais barato manter um cliente atual do que adquirir um novo” faz eco em rodas de conversa de negócios sempre que o termo “retenção” ou “manutenção” de clientes dá as caras. Existe razão para tanto.

Clientes retidos consomem mais, fazem boas recomendações e estão mais suscetíveis às ofertas de cross-selling e up-selling, dessa forma resultando em aumentos na receita e no faturamento. Análises da deserção conduzidas em diferentes empresas de variados segmentos no setor de serviços, desde companhia de seguros, logística, cartões de crédito, lavagem industrial até gestão de condomínios, apontam que uma diminuição de 5% na deserção de clientes pode levar a ganhos de 25% a 85% na lucratividade! (1)

Mesmo em momentos de crise, quando há necessidade de fazer cortes de gastos, direcionar o orçamento para a manutenção de clientes leva a retornos maiores do que investir na sua aquisição. Investir 25% a menos em vendas leva a uma diminuição da rentabilidade de cerca de 3%. Por outro lado, deixar de investir os mesmos 25% na manutenção de clientes leva a uma queda de 55% na rentabilidade! (2)

Com tantos benefícios e vantagens evidentes por quê, na prática, não se vê com frequência ações gerenciais sistematizadas e consistentes voltadas à manutenção de clientes?

O fato é que reter clientes é um trabalho hercúleo e, por vezes, muito mais difícil do que vender! A venda é um processo finito e unidirecional. Por mais que o ciclo de vendas se alongue ou por mais etapas que tenha o seu “funil de vendas”, ela tem início, meio e fim. Ela tem início no primeiro contato do prospect com a academia, independente do meio ou do canal (presencial ou remoto, online ou offline), e termina com o fechamento da venda, independente da modalidade ou do meio de pagamento utilizado pelo cliente.

A retenção, por outro lado, é um processo infinito. Não se espera que tenha um fim. Aliás, quando há finalização o esforço de retenção falhou (o cliente desistiu de dar continuidade). Além de infinito, é um processo multidimensional. Há de se fazer esforços em várias direções e sentidos, procurando abranger diferentes tipos e segmentos de clientes, com múltiplas variações de desejos, gostos e preferências.

Eu fiz um estudo publicado na International Conference on Innovation and Management (3) para analisar a relação “frequência x renovação”. Nele analisamos a relação entre a quantidade de frequência dos clientes com o risco de cancelamento usando técnicas estatísticas sofisticadas. Levantamos a frequência dos clientes 3 meses antes da data de renovação. A partir daí os clientes foram agrupados em cinco grupos (clusters) de acordo com a quantidade de dias frequentados nesse período. Os resultados não deixam dúvidas. Veja na figura abaixo:

Quem vem pouco (menos de 19 dias em 3 meses = menos de 2x por semana) tem uma probabilidade muito baixa (10% a 35%) de renovar seu vínculo e isso é independente do plano contratado (mensal, semestral, anual, etc.). Por outro lado, quem vem com mais frequência (pelo menos 2x por semana) tem 80% mais chances de renovar! (3)

Aqui vale um detalhe técnico importante: Há diferença estatística entre os grupos de baixa frequência  (grupos 0-9 e 10-19) mas não há diferença entre os grupos com mais frequência. O que isso quer dizer na prática? Quanto menor a frequência maior o risco de cancelamento mas uma vez que o cliente atinja uma certa quantidade de acessos (8x por mês), vir mais vezes não aumenta significativamente suas chances de renovação! Logo, a meta deve ser gerar, para cada cliente, pelo menos 8 visitas por mês.

A maioria dos gestores de academias sabe que tem problemas com a perda de clientes mas não se mobiliza, com ações concretas e eficazes, para solucioná-los

Para gerar frequência regular e constante, além da gestão operacional, há de se considerar também os aspectos da experiência do cliente com os serviços da academia. A experiência é o conjunto de sensações e emoções que o usuário/consumidor relaciona com a aquisição de um produto ou serviço e que evocam uma recordação positiva. As pessoas tendem a querer repetir o que percebem como “positivo” (recompensa) e a evitar o que vêem como “negativo” (punição). A teoria behaviorista advoga que virtualmente todos os comportamentos são moldados dessa maneira e essa é a base para formação de hábitos. Essa é também a base das iniciativas bem sucedidas de retenção ou aderência ao exercício (4).

Logo, reter clientes pode até ser mais barato, mas com certeza dá muito mais trabalho! Além disso, o foco excessivo em vendas normalmente “nubla” a visão do empresário ao mesmo tempo que dissipa os esforços de retenção. Incentivos financeiros para renovação (dar brindes ou descontos) ou tratar bem e cordialmente as pessoas (o famoso “atendimento”) não são capazes de criar impacto significativo na retenção. Todas as academias tem clientes bem tratados que desistem mesmo assim!

Não há, via de regra, a entrega de prêmios, brindes ou estímulos para clientes frequentes ou que atingiram algum marco na academia tais como, por exemplo, ter completado 12 meses sem intervalos, ter vindo mais que 15 vezes num único mês, ter atingido a meta proposta na avaliação física, etc. É como se as “conquistas” do cliente fossem uma “obrigação” dele, sem necessidade de qualquer reforço positivo ou pelo menos um “tapinha nas costas”. Tal como o filho diligente que tira boas notas na escola e os pais, severos, dizem apenas “não fez mais que a sua obrigação”.

No final das contas, a retenção de clientes em academias acaba sendo um caso célebre para ilustrar “o elefante na sala de estar”: Muita gente reconhece e percebe que tem um problema mas age de maneira passiva ou prefere ignorá-lo. A maioria dos gestores de academias sabe que tem problemas com a perda de clientes mas não se mobiliza, com ações concretas e eficazes, para solucioná-lo. É como se esperassem um acontecimento mágico ou o aparecimento de uma “fórmula” capaz de reverter a situação. Enquanto isso lá se vão os clientes e míngua o faturamento. Hora de pedir empréstimo para capital de giro ou tirar a carabina do armário e enfrentar o elefante na sala?

REFERÊNCIAS

  1. Reichheld, F. F., & Sasser, J. W. (1990). Zero defections: Quality comes to services. Harvard Business Review, 68(5), 105-111.
  2. Reinartz, W., Thomas, J. S., & Kumar, V. (2005). Balancing acquisition and retention resources to maximize customer profitability. Journal of Marketing, 69(1), 63-79.
  3. Munaier, C. G. E. S., & Costa, C. R. M. (2020). Influence of Usage and Contractual Binds on Customer Retention in Continually Delivered Services: Evidence From the Physical Fitness Business. In: Proceedings Of The 17th International Conference on Innovation and Management. Wuhan: Wuhan University of Technology Press.
  4. Peters, K., & Kashima, Y. (2015). A multimodal theory of affect diffusion. Psychological Bulletin, 141(5), 966–992.

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